Seguido conversamos com amigos empreendedores que registraram o domínio na internet e acreditam que não precisam registrar a marca. Por isso, é importante esclarecer quando é preciso o registro da marca. Para isso, vamos apresentar alguns conceitos antes.
Registro de empresas na junta comercial
O registro da empresa na junta comercial protege o título do estabelecimento ou nome fantasia no estado do registro. Assim, não protege as marcas dos produtos ou serviços desta empresa.
Registro da Marca no INPI
Enquanto o registro da marca protege a marca e a diferencia no mercado nacional. Isso significa que um título de estabelecimento ou nome fantasia identifica a empresa quanto ao seu local de registro, apenas: a região ou estado. Já o registro da marca junto ao INPI protege os produtos e serviços, ligando-os a determinada apresentação e mercado. Nesse contexto, o nome fantasia ou título de estabelecimento não distingue a empresa ligando nome e atividade. Por isso a importância do registro da marca.
Não é interessante para o país barrar a abertura de empresas por causa do nome do seu estabelecimento. Por esse motivo, não há uma atenção e interligação de juntas comerciais para verificar a colidência de nomes já pedidos, isso não diz respeito à elas.
Nesse sentido, não há necessidade de utilizar o nome fantasia ou título de estabelecimento em quaisquer lugares, a não ser em documentos formais da empresa. Por outro lado, a marca, para se manter registrada e sob titularidade de uma mesma pessoa ou empresa, precisa ser utilizada conforme o seu registro.
Registro de domínio na internet – registro.br
Já o registro de domínio na internet é um endereço virtual para localizar e identificar determinado conteúdo na rede mundial de computadores. Desta forma, a maioria das empresas registram domínios na internet com o nome de suas marcas. Porém, as marcas possuem duas regras importantes para essa análise: territorialidade e especificidade. E, esses princípios não podem ser esquecidos quando se fala em registro de marca e domínio na internet, isso deixa o tema complicado e interessante.
Princípio da territorialidade das marcas
De acordo com o principio da territorialidade, as marcas possuem validade em todo o território nacional. Assim, caso o titular da marca queira a marca em outros países, deve fazer o registro em todos os países de interesse. Alguns tratados internacional podem facilitar isso. Ou seja, não conseguimos retirar domínios de internet de outros países com marca no Brasil, exceto por má fé ou se a marca for de alto renome ou, dependendo, marca notoriamente conhecida (saiba mais aqui).
Princípio da especificidade das marcas
A lei da propriedade industrial tem o objetivo principal de proteger o consumidor. Por isso foi criado a classificação internacional das marcas, agrupando-as em segmentos de mercado através da classificação de Nice. Esta classificação possibilita que exista a mesma marca em mais de um segmentos de mercado, chamado de classes das marcas. Por exemplo, a revista VEJA e o alvejante VEJA só existem pois o consumidor não vai comprar uma revista pensando que está comprando um alvejante, estão em classes mercadológicas diferentes.
Então, de quem é o domínio www.veja.com.br sendo a marca mais antiga do alvejante? Verificamos que é da revista VEJA. E o do alvejante veja é www.vejalimpeza.com.br. Nesse caso, quando mais de uma empresa possui o registro de marca com mesmo nome, o registro do domínio na internet é garantido para o primeiro que solicitar no registro.br.
Vejamos os casos em que o registro da marca ganha do registro de domínio e vice versa.
Quando a marca registrada derruba o domínio na internet?
A marca registrada derruba o domínio de um proprietário que não possui a marca registrada. Ou seja, se você possui apenas o registro do domínio está correndo risco de perder seu domínio para quem possuir o registro da marca. Caso ainda não exista o registro da marca com o mesmo nome do domínio você deve ficar atento para evitar que essa marca seja registrada por outra pessoa.
A qualquer momento o titular de marca registrada pode solicitar para parar de usar o domínio que contempla parte da marca dele. Isso porque é considerado uso indevido de marca: quando você utiliza toda ou parte de uma marca já registrada.
Quando o domínio da internet é mais forte que o registro da marca?
O domínio de internet mais forte é aquele que o proprietário possui também o registro de marca. Ou, quando o titular do domínio da página da internet acompanhar os pedidos de marcas similares ao seu domínio e agir em tempo para evitar o registro da marca.
Ou seja, quando o titular do domínio de internet, que não existe marca registrada, acompanhar os pedidos de registro de marca no INPI e perceber a solicitação de marca igual ao seu domínio de internet, o mesmo pode alegar ser usuário anterior de boa-fé. Para isso, é necessário realizar os procedimentos nos prazos previstos, além de existir a necessidade de apresentar documentos que comprovem o uso anterior e, neste momento, solicitar a marca para registro.
Dentre os documentos que podem ajudar o dono do registro de domínio, que não possuía marca, a conseguí-la é o documento de registro do domínio, notas fiscais (a prova principal para a comprovação de uso anterior de boa fé), posts em redes sociais, entre outros. Porém isso deve ser feito em até 60 dias da publicação da marca igual ao domínio na internet ou na via judicial com incertezas e maiores custos.
Usuário anterior de boa fé
Existe uma série de critérios e regras previstas em leis para que se consiga comprovar o uso anterior de boa fé. Se você quiser saber mais sobre essa questão e sobre quais são essas regras, clique aqui.
Em casos em que o processo de marca de terceiro ainda não estiver sido concedido pelo INPI o procedimento adequado na esfera administrativa seria apresentar oposição declarando uso anterior de boa fé, desde que se tenha como comprovar o uso da marca em questão por pelo menos seis meses anteriores a data de depósito do processo em questão, a luz do disposto no art. 129, § 1o, da Lei 9279/96:
Art. 129. § 1o Toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro.
O único prazo previsto pelo INPI para apresentação do uso anterior de boa fé é, exclusivamente, no período de oposição. Ou seja, podem ser realizadas dentro do prazo de 60 dias corridos após a publicação do pedido de registro da marca. Ou seja, o titular do domínio da internet deve acompanhar os processos no INPI para verificar se terceiros solicitaram marca igual ao seu domínio.
Para que o INPI aceite como prova os documentos de uso anterior de boa fé, faz algumas exigências de como devem ser esses documentos. Se você tem interesse em saber quais são esses critérios, clique aqui (item 6.5.3 do manual de marcas do INPI).
Ainda, cumpre referir que o entendimento do INPI é de que se ambas as partes comprovarem o pré-uso do sinal marcário requerido, há pelo menos 6 (seis) meses antes da data do depósito e ou prioridade reivindicada, o direito sobre o registro da marca pertencerá àquele que primeiro depositar o pedido junto ao INPI, independente de quem faz uso há mais tempo. No entanto, há precedente na esfera judicial em que adotou-se o entendimento contrário, ou seja, priorizando o tempo de uso do sinal marcário. Tendo como exemplo o abaixo mencionado:
Entendimento, na esfera judicial, que aceitou o uso anterior de boa fé:
Veja a decisão judicial com atenção as partes grifadas:
Não obstante, ficou demonstrado no caso concreto que o uso da palavra “PHÁBRICA” pela ré apelante, que remonta ao ano de 1995, precede tanto o depósito e da concessão do pedido de registro de marca (2006 e 2013 – fls. 29), quanto à própria constituição da autora apelada (fls. 15 e 28), de modo que deve ser assegurado àquela a continuidade da exploração da referida palavra, a despeito da posterior obtenção pela apelada do registro da marca perante o INPI. Isso porque a Lei de Propriedade Industrial não protege somente o titular do registro concedido. A lei não deixou à margem da sua proteção a pessoa que previamente explorava, de boa fé, o objeto do registro, pois permitiu a continuidade da exploração, verificadas as condições legais, sem ônus, mesmo após a obtenção do registro por outrem, conforme preveem os arts. 45, 110 e 129, §1o, da Lei no 9.279. Nesse sentido, confira-se:“[…] o pré-uso da marca assegura uma proteção que vai muito além da mera precedência à obtenção do registro, que não é senão uma das várias facetas e faculdades que dele se originam, mas que não o esgotam[…].Embora a LPI não seja explícita quanto ao tema, o usuário anterior tem o direito de persistir no uso da marca, ainda que o registro concedido a outrem não possa mais ser invalidado. Trata-se de uma conclusão lógica e justa. Mesmo que os efeitos do registro retroajam à data do depósito, nunca poderão se sobrepor ao uso de boa-fé que já tiver se iniciado em data anterior. A LPI deve ser interpretada em conjunto com a CUP, cujo art. 4o estabelece claramente em seu item B que “os direitos adquiridos por terceiros antes do dia do primeiro pedido que serve de base ao direito de propriedade são ressalvados nos termos da legislação interna de cada país da União”. Dessa forma, a proteção erga omnes advinda do registro da marca não atinge direitos precedentemente adquiridos.O § 1o do art. 16 do TRIPs também dispõe que ‘os direitos descritos acima [conferidos pelo registro da marca] não prejudicarão quaisquer direitos prévios existentes’. Isso impede que o registro posterior possa prejudicar a continuidade da prévia exploração do signo por outrem, seja a título de marca, nome empresarial ou outra modalidade qualquer. […].
(TJ-SP 11296453320158260100 SP 1129645-33.2015.8.26.0100, Relator: Carlos Dias Motta, Data de Julgamento: 28/02/2018, 1a Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 02/03/2018)
Seguindo este entendimento, afirma o autor Lélio Denicoli Schmidt em sua obra: O campo das patentes, o art. da Lei 9.279/96 dispõe que “à pessoa de boa fé que, antes da data de depósito ou de prioridade de pedido de patente, explorava seu objeto no País, será assegurado o direito de continuar a exploração, sem ônus, na forma e condição anteriores”. Por analogia, o mesmo raciocínio deve se aplicar a quem já usava uma marca de boa fé, antes de outrem vir a registrá-la. O usuário anterior pode continuar a explorar a marca sem ser considerado contrafator.” (SCHMIDT, Lélio Denicoli. Marcas: Aquisição, Exercício e Extinção de Direitos – 1. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, pp. 126-127; 131-132)
Lembrando que para isso ocorrer deve se atentar as formas de comprovação do uso anterior de boa fé. Saiba os documentos utilizados para comprovar o uso anterior de boa fé aqui.
Preciso do registro da marca?
Conforme demonstrado, a regra é que a marca registrada derruba o domínio na internet. Porém, caso um titular de domínio utiliza e gera riqueza com o domínio, deve acompanhar para se opor, em tempo, caso exista um pedido de registro de marca com o mesmo nome de seu domínio. Neste momento deve também fazer o pedido de registro da marca. Ainda, caso perca o prazo de oposição (60 dias da publicação) existe chances de conseguir a marca na esfera judicial alegando usuário anterior de boa fé. Em ambas as formas o titular do domínio terá que solicitar o registro da marca, por isso, o aconselhado é que já se faça o registro da marca.
Desta forma, o importante é não permitir que a marca, posterior ao registro do domínio na internet, se estabeleça e ganhe mercado perante os consumidores. Lembrando que uma briga judicial é custosa, demorada e incerta. Então, separamos alguns pontos importantes para saber antes de entrar numa disputa judicial por registro de marca.
Quais os problemas em disputar por uma marca na esfera judicial?
• Não há uniformidade nas decisões judiciais que abordam o tema de uso anterior de boa fé: como mostramos acima, existem exemplos de casos em que os juízes foram favoráveis à comprovação do uso anterior de boa fé e outros em casos em que não foram favoráveis;
• Custos são mais elevados: a fase administrativa, em termos de custos com taxas federais e investimento em honorários, para que empresas realizem o serviço para você, são bem mais baixas se comparadas com o âmbito judicial;
• Marketing para o concorrente: todo o tempo o qual você está “lutando” para ter sua marca registrada, você está faturando e investindo em marketing para que seja cada vez mais conhecido e contratado pelos seus clientes. Porém o resultado final pode ser negativo e, nesse caso, você terá feito propaganda para o seu concorrente;
• Tempo: atualmente, um processo de marca no INPI demora cerca de 1,5 anos para ser deferido/aprovado pelo INPI ou indeferido/negado. Na esfera judicial, uma decisão pode chegar apenas após 10 anos (ou mais) de ação;
• Perdas e Danos: e, em caso de perda do processo pode ser pleiteado perdas e danos pela parte vencedora.
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Roberto Soraire | Linkedin
Administrador especialista em direito empresarial
Maria Eduarda Medeiros Pletsch | Linkedin
Acadêmica em Administração